O direto à vida: um direito sagrado, natural e social

O direto à vida: um direito sagrado, natural e social

Diante dessa cultura na qual, cada dia mais, se exalta a morte, gostaria de abortar, junto aos nossos jovens, uma reflexão acerca do aborto da vida intrauterina. Percebemos, também, que o aborto avança para crianças já nascidas e empobrecidas, jovens que têm suas vidas também interrompidas pela violência, bem como o aborto estendido à fase adulta, quando – por negarem direitos fundamentais – muitos doentes são abortados à espera de atendimento às suas enfermidades em um sistema de saúde sucateado e ineficaz. No entanto, gostaria de tratar aqui do aborto como negação da vida às crianças nas primeiras fases de gestação.

A condenação da interrupção voluntária da gravidez funda-se numa proposição de fé, segundo a qual a vida humana tem caráter sagrado por ser um dom divino. São Paulo VI, citando Pio XII, não deixa dúvidas: “Cada ser humano, também a criança no ventre materno, recebe o direito de vida imediatamente de Deus, não dos pais, nem de qualquer sociedade ou autoridade humana” (1). Atentar contra a vida é atentar contra o próprio Deus.

Do direito à vida derivam todos os outros direitos, dos quais aquele é condição necessária. Assim, o mandamento divino “Não matarás” refere-se à sacralidade da vida, que deve ser respeitada, por vontade divina, segundo um princípio abstrato, absoluto, universal e aplicável a todos os seres humanos. Uma vez que, segundo o magistério da Igreja, desde o primeiro momento da fecundação há uma pessoa humana completa, o aborto torna-se um ato moralmente inaceitável e condenável, verdadeiro homicídio, um atentado contra a vida e, consequentemente, contra o próprio Deus, Criador da vida, um pecado gravíssimo, mesmo que seja por motivos genéticos ou por problemas sociais, familiares e individuais.

A prática do aborto direto é condenada em razão de provocar a morte de um ser humano considerado inocente, o que constitui uma situação de tríplice injustiça: contra a soberania de Deus, único Senhor da vida; contra o próximo, que é privado do direito de existir como pessoa; e contra a sociedade, que perde um de seus membros. A inocência presumida do nascituro vem do fato de ser ele incapaz de ato moral. Considera-se, além disso, sua situação de ser indefeso, incapaz de proteger-se de uma agressão.

O argumento da defesa da vida escuda-se ainda na ideia do nascituro como pessoa possuidora de direitos desde a sua concepção, antes mesmo da concessão destes pela sociedade, dada sua essência humana. Assim, o direito à vida apresenta-se como um direito ao mesmo tempo sagrado, natural e social. Ainda que a realização de um aborto possa conduzir ao alcance de certos bens, como a saúde ou a vida da mãe, ele é sempre injustificável.

Outras razões, como as dificuldades que possa significar um filho a mais, especialmente se apresenta anomalias graves, a desonra, ou o desprestígio social, ainda que consideráveis, também não legitimam o ato abortivo: “deve-se sem dúvida afirmar que jamais alguma dessas razões possa conferir objetivamente o direito de se dispor da vida de alguém, mesmo em sua fase inicial” (2).

A absolutismo do princípio de respeito à vida humana tem ainda como referência a lei natural. Trata-se de um instinto humano a ser respeitado por crentes e não crentes. “Para quem acredita em Deus, isso é espontâneo e instintivo e é obrigatório por lei religiosa e transcendente; e também para quem não tem essa dita de admitir a mão de Deus protetora e vingadora de todos os seres humanos, é e deve ser intuitivo, em virtude da dignidade humana, esse mesmo sentido do sagrado, isto é, da intangibilidade própria de uma existência humana vivente” (3). A invocação da lei natural é continuamente reiterada e coloca as bases para a proposição da universalidade dos princípios morais no campo da reprodução humana.

Os documentos do episcopado brasileiro seguem na mesma linha de argumentação dos papas e do Vaticano. Afirma-se a sacralidade da vida humana, dom de Deus, deduzindo-se daí a ilicitude de todo e qualquer ato abortivo.

Em documento de 1984, a CNBB propõe: “Por ser supremo dom natural de Deus, toda vida humana deve ser preservada desde o primeiro instante da concepção, sustentada, valorizada e aprimorada. São inaceitáveis, como atentados contra a vida humana, o aborto diretamente provocado, o genocídio, o suicídio, a eutanásia, a tortura e a violência física, psicológica ou moral, assim como qualquer forma injusta de mutilação”. (4)

Dom Nelson Francelino,
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Papa Paulo VI. In: Sedoc. Petrópolis, Vozes, pp.1034-1036. 1973

2- Anjos, M. F. In: Da argumentação sobre a moralidade do aborto ao modo justo de se argumentar em teologia moral. SP, Loyola. 1976.

3- Papa Paulo VI. In: Sedoc. Petrópolis, Vozes, pp.833-839.1977.

4- CNBB. Ata nº 10 da 22ª Assembleia Geral da CNBB (25.04-04.05.84) sobre a defesa da vida, Comunicado Mensal da CNBB, 1984.

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