Lições de Santa Maria: o final de uma Missão que não acaba quando termina

Lições de Santa Maria: o final de uma Missão que não acaba quando termina

As vidas de mais de 230 jovens terminaram tristemente no fim de semana de 26 e 27 de janeiro de 2013 em um incêndio em Santa Maria (RS), resultado de muitos descasos, muitas imprudências, muitos e muitos erros.  O Brasil todo ficou de luto, mas muito mais as famílias das vítimas. Padre William Barbosa Vianna,  assessor da Pastoral Universitária na Arquidiocese de Florianópolis, esteve no local como voluntário, para levar um pouco de conforto a elas. Confira a seguir o seu relato.

“Retornei de Santa Maria (RS) e é difícil, quase impossível, dormir direito, esquecer as cenas, os rostos, olhares de horror, desespero e os odores da morte.

Na noite de 27 de janeiro, dirigi-me como voluntário a  Santa Maria, chegando ao Centro Desportivo Municipal (CDM)  às 5h30, e pude me solidarizar de forma concreta, particularmente com a comunidade da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), tendo oferecido o amparo e assistência espiritual possível para o momento, e realizado de forma livre e consentida pelas famílias as exéquias conforme o rito católico de  todos os jovens que estavam sendo velados  no CDM na manhã do dia 28, tendo também acompanhado alguns enterros no Cemitério Municipal.

Aos poucos, a partir das 10h o número de caixões no velório coletivo em Santa Maria foi diminuindo e, dos 30 corpos que estavam sendo velados à noite anterior, 12 ou um pouco mais ainda permaneciam no ginásio.

Algumas jovens voluntárias me ajudaram perguntando previamente para cada família se gostariam da oração da Igreja Católica e das exéquias, ao que quase todas aceitaram, exceto uma que ao final, pela exaustão emocional não me lembrava mais qual era, e ao perguntar novamente a cada uma, também essa aceitou, de forma que foi possível rezar com todos e encomendar os corpos de todos os jovens que estavam ali naquele horário da manhã.

Ainda foi possível acompanhar alguns ao Cemitério Municipal, particularmente o filho de dona Neusa, o jovem Leandro Nunes da Silva, 20 anos, cujas informações davam conta de ser um jovem gremista, órfão de pai, arrimo da família de mãe e 2 irmãos mais novos. Estudava arquivologia na UFSM, prestava serviço militar e trabalhava numa churrascaria para sustentar sozinho a casa.

Nós, brasileiros, somos emotivos, nos comovemos muito, nos solidarizamos, temos muitos sentimentos, escrevemos notas oficiais, enviamos condolências, telefonamos, noticiamos em tempo real e esse foi o tom das primeiras 72 horas.

Mas parece que não é somente isso que a juventude universitária espera de nós. Os jovens que muito choraram e ainda choram e rezam demonstrando sua religiosidade, também querem atitude, resolutividade – ação.

O nome encontrado nesse momento é “justiça”, mas certamente não é somente isso. Os jovens também precisam que o mundo adulto deixe definitivamente  a  tenebrosa  e maléfica encarnação do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Hollanda e lhes mostre os limites.

O mundo juvenil carece de uma sociedade educativa e não somente de adultos legais, que dão um ‘jeitinho pra você’, ou fazem de conta que não estão vendo, que acham todos lindos igual na novela, que aplaudem o ‘dá nada não’, “curtem” seus posts, enfim,  omissos na missão de formar o caráter, auxiliar a distinguir o real do virtual, ensinar com exemplos e corrigir e mostrar que a vida tem limites, que podem haver consequências, mesmo quando não se tem intenção.

Entretanto, o mundo adulto necessita aprender rápido, para ontem,  que sua autoridade moral se constrói na presença e não em mensagens, desejos, intenções, sentimentos ou conteúdos somente. Essa é uma parte dura para família, a Igreja e a sociedade, pois poucos se dispõe a alterar sua agenda prévia que pode esconder, no fundo, a falta de compromisso com a urgência do próximo.

A lição de Santa Maria ensina que é preciso rever não somente a agenda como também os conteúdos do currículo explícito e as atitudes do currículo oculto.

Para o currículo explícito são o rigor e solidez da formação acadêmica, a introdução de disciplinas, conteúdos e estágio em segurança nos cursos e atividades profissionais que delas necessitam, bem como a tolerância zero para as contravenções de certas normas na universidade como instância educativa de um Estado de direito e o resgate do papel do professor como autoridade que ensina.

Mas  é no currículo oculto  que reside a mais difícil e  urgente revisão. Ele trata dos não-ditos, das atitudes concretas e da efetiva formação da consciência dos jovens para autonomia no continuum entre o substantivo da cidadania e os adjetivos da fé católica, no nosso caso específico, ou dos valores universais que transcendem as leis.

De fato, daquilo que o mundo adulto de maneira indissociável do mundo juvenil se converter a ser a partir de 27 de Janeiro de 2013,  em termos de amor pastoral consequente e comprometido, depende o “para quê?” da tragédia, de forma que não se torne apenas mais um drama nacional.

Padre William Barbosa Vianna

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