David e Jônatas: verdadeira, perfeita e eterna amizade

David e Jônatas: verdadeira, perfeita e eterna amizade

“Aqueles que amam e respeitam o Senhor encontrarão o amigo fiel” (1).

Falar de uma experiência vivida de amizade já não é tão difícil como simplesmente escrever sobre a amizade. Os conceitos quase sempre limitam muito esse mistério, portanto, é necessário vivê-lo para ao menos tentar descrevê-lo. As Sagradas Escrituras nos deixaram ricos testemunhos de amizade, para não falar d’Aquele que viveu a mais profunda e rica experiência de amizade com os homens, Jesus. O Primeiro livro de Samuel, capítulo 18, tem uma das mais belas experiências de amizade das Sagradas Escrituras.

Ícone da Amizade, face de Davi e Jônatas

Ícone da Amizade, face de David e Jônatas.

Muitos ao longo da história já o atestaram e escreveram sobre essa amizade: trata-se de David e Jônatas (2). Diante deste relato bíblico podemos afirmar que existe uma vocação à amizade. Não só a história da Filosofia Clássica ou a história da Igreja (3) nos evidenciam tal verdade, mas também e, principalmente, o contexto bíblico em que se foi formando o Povo de Deus com o registro de suas experiências. Diz a Tradição Cristã que, nas Sagradas Escrituras, a amizade de David e Jônatas ocupa um lugar privilegiado. David e Jônatas eram dois homens de Deus, mas traziam a “marca da imperfeição”, do pecado, e os apelos interiores quanto às questões de nobreza. David provinha de uma família humilde, porém, tinha consciência disso e era um homem temente a Deus (4), enquanto Jônatas era filho do Rei Saul que, mesmo sendo descendente de uma das menores tribos de Israel, Deus o havia constituído chefe do seu patrimônio (5). A mão do Senhor estava sobre ele e seu filho Jônatas (6).

Interessante é observar que mesmo quando a mão do Senhor não pousar mais sobre Saul, Jônatas demonstrará que sua amizade com David não dependia de garantias humanas e era assim desprovida de interesses. É muito belo observar essa realidade e dela tirar uma lição de vida para as experiências de amizade nos dias atuais. Jônatas realiza o seu chamado a ser amigo de maneira exemplar: “Assim que David terminou de falar com Saul, Jônatas se apegou a David e começou a amá-lo tanto quanto a Si (…) Então Jônatas fez aliança com David, porque o amava como a si mesmo. Jônatas tirou o manto que vestia e o entregou a Davi, assim como suas vestes, até mesmo sua espada, seu arco e seu cinturão” (I Samuel 18, 1-4). Como vemos, os dois selam uma aliança, “Berit” (7), porque se amavam como a própria alma ou, como diz a Filosofia Clássica, “amor dedicado ao outro que traz como que o meu próprio coração” (nota oitava).

Interessante ressaltar que a Aliança do “Berit” dava também um caráter jurídico à relação. A Benção que um concedia ao outro fazia com que eles se acolhessem numa relação nova, numa espécie de consanguinidade. Daí a clareza e a riqueza com que se evidencia isto o livro Sapiencial dos Provérbios quando diz: “existe amigo mais fiel que irmão” (Pv 18, 24). Quem já fez a experiência da autêntica amizade sabe e compreende perfeitamente o que tento dizer aqui, a partir da experiência de Saul e Jônatas. As Sagradas Escrituras nos revelam as mais comoventes e autênticas experiências de amizade. Vale a pena conhecê-las e, olhando a vida de Cristo, sinal, referência maior da amizade na Palavra, extrairmos para as nossas vidas os valores que os guiaram. A vida de Cristo é essa comunicação maior e mais perfeita da amizade, da fidelidade, do amor que ama ao extremo e da gratuidade. Os entusiasmos de saul pela pessoa de Jônatas se deu no encontro. Cristo nos amou quando ainda não o conhecíamos. Também ele nos pede a amizade, o encontro, a aproximação, o conhecer o coração do outro, mas já fez por nós o que amizade humana é capaz.

Deus nos conceda a graça de viver esta amizade marcada pelo amor verdadeiro e pela coragem de dar a vida um pelo outro. Seja o amor de Jesus o referencial do amor humano. Ensine-nos, o Senhor, a sermos amigos segundo o seu coração.

    Antonio Marcos

    Comunidade Shalom – Fortaleza

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Notas do texto:

1 – Cf. Eclesiástico 5, 16;

2 – O Ofício das Leituras dispõe ricamente do texto: ”Fragmento do tratado sobre a amizade espiritual, do Beato Elredo, abade”. Verdadeira, perfeita e eterna amizade entre David e Jônatas. O livro “Fio de Ouro” de Maria Emmir e Dra. Sílvia (Edições Shalom), no capítulo sobre a amizade chega a citar a experiência da amizade de David e Jônatas.

3 – Na História da Filosofia se destaca Aristóteles com a sua célebre obra: “Ética a Nicômaco”, e Cícero com seu tratado “Da amizade”. Um autor atual, filósofo e professor da EDIPUCRS / Brasil, escreveu um livro no qual ele resume os principais textos da História da Filosofia sobre a amizade. Na História da Igreja se destacam os Escritos de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. No entanto, algumas obras que chegaram até nós de autores contemporâneos são ricas e aprofundam o tema, tais como: “Nos caminhos da amizade; Eu te desejo um amigo; Ministério da amizade e da Convivência à fraternidade”;

4 – Cf. I Samuel 16, 11-13; II Samuel 7, 8.18;

5 – Cf. I Samuel 9, 21; 10, 1;

6 – Cf. I Samuel 14, 45;

7 – Aliança: Uma promessa solene feita entre duas pessoas ou do  Povo Santo com o Deus de Israel. Compromisso de vida através de um juramento, que pode ser uma fórmula verbal ou através de uma ação simbólica, litúrgica ou religiosa. O Berit é uma aliança acompanhada de sinais, sacrifícios e um juramento solene que selava o pacto com promessas de bênção para quem guardasse a aliança e de maldição para quem a quebrasse;

8 – Interpretação do Filósofo Aristóteles

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