Fraternidade e Ecologia Humana

Fraternidade e Ecologia Humana

De fato, muitas são as interrogações sobre os motivos de tais atos e outras tantas são as tentativas de explicar esse tipo de comportamento humano anormal e violento contra o próximo. Não pretendo explicar, mas parto de algumas constatações sobre o assassino do Rio de Janeiro; elas também aparecem, em certa medida, em outros casos semelhantes: mente perturbada, sinais de esquizofrenia, infância sofrida e carente de afeto, dignidade e autoestima machucadas e reprimidas durante a infância e a adolescência, desprezos suportados, isolamento social e comportamentos solitários, vivência num mundo de fantasia (internet), apreço por cenas de violência, paranóias de tipo religioso, acesso fácil a armas… Enfim, um ser humano profundamente desajustado e perturbado.

Como se chega a isso? Certamente, os psicólogos e estudiosos do comportamento humano terão muito a dizer; a mente humana é complexa e as decisões pessoais dependem de uma série de fatores. De minha parte, desejo apenas refletir sobre a necessidade de uma renovada atenção ao ser humano, a cada pessoa em particular. Talvez hoje, no ritmo alucinante da vida social e econômica, acaba-se reservando pouco tempo e atenção à pessoa humana. Quanto tempo os pais têm para estarem com seus filhos pequenos e adolescentes, para ouvi-los, observá-los, falar com eles, perceber suas inquietações e problemas? Quem quer perder tempo com um adolescente problemático?

Quanto se leva em conta na educação os pequenos desequilíbrios de comportamento e caráter, que já podem aparecer na infância? Preocupam-nos as cenas de violência e desrespeito à dignidade humana, que povoam telas e telinhas e se instalam no inconsciente das crianças e adolescentes?

Durante a Campanha da Fraternidade, falamos dos problemas ecológicos e, com razão, preocupamo-nos com o equilíbrio ambiental, as mudanças climáticas e o futuro da vida no nosso planeta Terra; tudo isso tem repercussões no convívio humano e requer atitudes e comportamentos solidários e fraternos. E o próprio ser humano, fazendo parte desse delicado equilíbrio ambiental, não mereceria uma atenção especial também? Pelo menos, a mesma que se tem diante da destruição de plantas e bichinhos?

O papa Bento 16, na sua encíclica Caritas in Veritate, fala da necessidade de desenvolver uma verdadeira “ecologia humana” (cf, n.51); já tratara do mesmo tema o papa João Paulo 2º na encíclica Centesimus Annus (cf. n.38). A ecologia humana refere-se ao conjunto de modos como o homem trata de si mesmo e cuida do seu semelhante, dos hábitos pessoais e estilos no convívio social. Quem alimenta sua mente de violência, acabará praticando a violência um dia; o desprezo e o desrespeito pela dignidade do próximo desencadeiam fermentos de ódio e violência; os vícios cultivados e até incentivados são campo fértil para toda sorte de males. E quando tratado bem e estimulado à prática da virtude, o ser humano se torna semeador de obras de bem.

Cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo

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