Da necessidade ao Desejo: os caminhos da evangelização da juventude em tempos de indiferença

Da necessidade ao Desejo: os caminhos da evangelização da juventude em tempos de indiferença

“Da necessidade ao Desejo”

Por Noelia Causa

Levando em conta o atual contexto de indiferentismo predominante na cultura juvenil, se expõe neste artigo a dificuldade de escolher uma linguagem adequada para a evangelização hoje. Esta linguagem terá que ser ao mesmo tempo denunciadora do que na cultura é anti- evangélico e, ao mesmo tempo, significativa para os destinatários. São apresentados no artigo dois caminhos, um predominante nos nossos métodos de evangelização: a linguagem de o apelo emocional e do Deus da necessidade. E outro: o caminho da linguagem do Deus do Desejo, deixada de lado e relegada ao esquecimento de um tempo a esta parte, mas, que parece ainda ter algo a nos falar. 

A cultura para a qual falamos.

Parece que por todos os lados constatamos as distâncias de linguagens, a impossibilidade de comunicação entre a cultura juvenil atual e nossos métodos de evangelização. O documento de Aparecida assinala um dos motivos desta situação: “as linguagens utilizadas parecem não levar em consideração a mutação dos códigos existencialmente relevantes nas sociedades influenciadas pela pós-modernidade e marcadas por amplo pluralismo social e cultural”. (AP 100;d). Cabe-nos, então, pontuar quais são os códigos existencialmente relevantes na atualidade. Ao observarmos (talvez superficialmente) a sociedade contemporânea, sobretudo o mundo jovem, não é difícil perceber o ar de indiferentismo que se respira. Esta atitude de indiferença se expande a vários níveis; quase não há desejo de conhecimento, enquanto necessidade de compreender e interpretar a realidade; quase não há desejo de participação social e política, não há mais ambições grandes. Afetados pela imposição do nosso sistema imperante, o modelo econômico, nosso viver e fazer se resumem, na maioria das vezes, ao estabelecimento de relações comercias. Procura-se saber e estudar aquilo que dê mais lucro e melhor rendimento, até nossas relações pessoais estão marcadas pela lógica do consumo. Nem nossa relação com Deus, nem nossa atitude religiosa escapam deste modelo. No Brasil, as maiorias dos adolescentes e jovens professam uma religião. Segundo o documento 85 da CNBB, no senso do ano 2000, 73,6% dos jovens brasileiros eram católicos e só 9,3% se diziam sem religião, sendo que a maioria destes dizia acreditar em Deus e viver alguma experiência religiosa, embora não ligada a uma instituição (EJ;40). Portanto, não é a dúvida da existência de Deus ou a indiferença radical à religião que afeta a maioria da nossa juventude, nosso problema é mais sutil. Parecia-nos que a indiferença religiosa era “questão da Europa” ou da elite do nosso continente, mas ao vermos a atitude de vida, a escada de valores, o compromisso com a realidade e a experiência religiosa de grande parte da juventude, perguntamo-nos se não estamos assistindo, também aqui na América Latina, a um tipo de indiferença religiosa.  Ou, pelo menos, constatamos uma ignorância do verdadeiro sentido do fato cristão, devido ao lugar modesto ou pouco relevante que Deus e a religião ocupam no que toca de mais importante na vida da juventude

De nada nos serve lamentar e chorar pelos tempos já passados, quando os jovens eram inquietos e podia-se trabalhar com eles. A atitude da juventude é fruto de uma história e vários elementos, que não nos cabe destacar agora, deixaram-na “sem sonhos”. Mas, se a vivência da fé não se adéqua totalmente ao ensinamento de Cristo, tal e como nos foi transmitido, não é só pela aspereza da juventude, mas também devido à inadequação das nossas formas de evangelização.

ENJMC 2015 em Belém-PA.

ENJMC 2015 em Belém-PA.

Os caminhos da nova evangelização.

O mesmo parágrafo do documento de Aparecida, citado anteriormente, nos faz refletir: “Na evangelização, na catequese e, em geral, na pastoral, persistem também linguagens pouco significativas para a cultura atual e em particular para os jovens.”(AP 100;d) E com “linguagens pouco significativas” entendemos não simplesmente a forma de apresentação de um conteúdo, mas também o evento de comunicação e de auto- comunicação. A linguagem é o lugar da experiência humana, mas que tipo de experiências as nossas linguagens promovem? Que entendemos por novas linguagens?

O coordenador nacional do Ministério Jovem da RCC; Ricardo Alvez Nacimento, escreveu um artigo chamado “O que devo fazer para evangelizar os jovens?., Este artigo parece representar uma forma muito atual de entender a evangelização com a juventude e de entender as novas linguagens. O autor começa sua exposição com a seguinte frase: “Quero de início, dizer que todo ser humano é vocacionado à felicidade, e sabemos que só Deus é fonte de toda a felicidade. Então podemos dizer que todo ser humano anseia por Deus, mesmo sem saber, sem ter entendimento disso, ele anseia por Deus.” (Alvez, 2008.) Alvez vê em cada jovem a necessidade da Palavra de Deus para poder realizar-se como pessoa plenamente humana e vencer as dificuldades e inimigos da vida: “Amados e amadas, a Palavra de Deus é fundamental! O jovem só é forte e vencedor do maligno se estiver pleno da Palavra de Deus (Cf. I Jo 2,14c).” (Alvez, 2008.)  O meio privilegiado para a evangelização da juventude seria, segundo ele,  o grupo de oração, sem mencionar que shows e grandes eventos possam ser de grande utilidade. Alvez pressupõe, partindo de sua experiência pessoal, que o jovem tem sede e desejo da Palavra de Deus, que o melhor método é acolher o jovem na sua necessidade e se situar nele. Muitas vezes, se não há adesão por parte da juventude é por que os agentes de pastoral têm vergonha de se expor e falar com coragem a verdade da Palavra.

No artigo O destino da fé cristã num mundo de indiferença, Geffré critica a visão de que a Revelação (e, portanto o próprio Deus) deva ser compreendida só como a resposta às nossas perguntas e necessidades. Para ele, devemos reinterpretar o sentido e a função antropológica de Deus: “a necessidade de Deus não passa de miséria se for compreendida no registro do útil” (Geffré, 1983). Deus não é necessário nesse sentido, pois ele é o incondicionado. Na verdade Deus supera a oposição de necessário-contingente, por isso podemos dizer que ele é gratuito e mais do que necessário, agora não já no campo da utilidade, mas no da existência. Inclusive, devemos repensar a utilidade social de Deus; o cristianismo tem de fato uma eficácia histórica, porém ele não se esgota nisso, ou então corre o risco de não ser mais que uma ideologia ao serviço da emancipação do ser humano e da transformação do mundo. “A Revelação cristã não é somente uma chave para desmascarar os mecanismos sociais de violência: é a revelação do inaudito do dom gratuito de Deus.” (Geffré, 1983.) Para Geffré, deve-se abandonar a representação do Deus da utilidade e passar à gratuidade do Deus bíblico, o Deus da Aliança, que é da ordem do desejo em contraposição à simples necessidade, da ordem da gratuidade radical. A partir desta perspectiva, Deus não é simplesmente uma música tranqüilizadora que acompanha minha existência, não é um energizante para os momentos de fraqueza e contradições. A fé cristã não parte da necessidade e da carência humana para Deus, mas é um movimento a partir de uma iniciativa gratuita da parte de Deus, um movimento que vai de Deus rumo ao ser humano e desencadeia uma resposta: um movimento do ser humano a Deus. Deus é objeto não de uma carência ou desejo imediato, mas de um desejo desinteressado além da satisfação.

Seminário Nacional de Jovens Comunicadores 2012.

Seminário Nacional de Jovens Comunicadores 2012.

É verdade que estes artigos foram escritos com finalidades diferentes e certamente para públicos diferentes, mas, são interessantes as visões de fé e imagem de missão que eles nos apresentam. No fim das contas, o que move nossas linguagens e formas de evangelização são as imagens que temos de Deus e sua relação com a humanidade, que é por excelência o conteúdo da mensagem de fé da qual somos portadores. O primeiro artigo, que não tem a pretensão de ser científico nem teológico, mas uma partilha surgida da experiência, busca animar outros jovens no trabalho evangelizador. Vemos refletida a atitude e imagens que movem a maioria dos nossos projetos missionários com a juventude. Linguagens que no fim das contas atingem só um tipo de juventude e despertam um só tipo de resposta. E quando olhamos para a imensa multidão que parece inerte à nossa pregação e, ao constatarmos a ineficácia dos nossos métodos, pensamos que nos renovarmos é simplesmente “trocar a cara do produto”. Mas, continuamos com o mesmo objetivo da época da cristandade, a mesma mentalidade, o mesmo desejo de igrejas cheias, de missas numéricas, de massas nos nossos encontros de milhares de pessoas envolvidas nos milhares de pastorais das paróquias. Porém, dizer que fazem falta novas linguagens para sermos significativos no meio da juventude não significa que precisamos só melhorar o marketing. Significa que necessitamos criar um novo espaço onde a comunicação da fé como novidade possa acontecer. Apesar de o primeiro artigo falar de “desejo de Deus”, não fala do Desejo que está para além da satisfação, mas de um desejo imanente, que poderíamos definir melhor como necessidade. É esta idéia que se encontra por trás da nossa linguagem evangelizadora, é essa noção de que “só Deus” pode dar a felicidade ou a graça que buscamos imediatamente. Isto fomenta uma religiosidade como cumprimento de papéis sociais e uma relação comercial com Deus. A fé tornou-se religiosidade e Deus um ouvidor de primeiras necessidades.

Dom Vilsom Basso (Presidente da Comissão para a Juventude CNBB)

Dom Vilsom Basso (Presidente da Comissão para a Juventude CNBB)

Por este motivo parece-nos mais incisiva a visão de fé que deixa transparecer o artigo de Geffré: o Deus apresentado pelo Cristo, o Deus bíblico, é do âmbito do imotivado, do plano da radical gratuidade. Reduzi-lo a uma obrigação, a uma necessidade para viver humanamente é reduzi-lo à margem de produto indispensável, é entender a fé como uma necessidade que parte do ser humano em busca de Deus e não como a gratuidade de Deus que advém a nós no total despojamento. Embora, muito do dito por Geffré no segundo artigo possa ser aproveitado para nós hoje na América Latina, vemos que talvez o nosso problema não seja o de um público que se afasta de Deus, porque reconhece a inutilidade deste nas suas vidas, mas de um público que se afasta do Deus revelado em Cristo ao encontrá-lo só no plano da utilidade. Somado a isto, nossas linguagens não criam espaço para a experiência de Deus como “ferida aberta”, como relação. O fato de o nosso público estar interessado em religião não nos faz perceber, por vezes, o esvaziamento de sentido dessas práticas religiosas, ou pelo menos do sentido verdadeiramente cristão.

Vemos que, diante do indiferentismo dos destinatários da nossa mensagem evangelizadora corremos o grande risco de reduzir nossa mensagem (o próprio Deus) a um apelo puramente emocional. Estamos numa cultura que está substituindo o Desejo pela pura satisfação, pelo consumo apaziguante e alienante, já que é incapaz de tolerar o vazio necessário para criar qualquer relação sadia e desenvolver uma identidade. Talvez por isso um dos caminhos possíveis para a evangelização da juventude seja repropor um Deus como Desejo que nos interpela a sair da simples satisfação, sem cair na religiosidade como necessidade que é uma outra forma de consumo religioso. A mensagem evangélica é sempre contra cultural, no nosso contexto ela apela à paixão quando todos só buscam satisfação e se tem medo da relação. Nossos esforços devem estar aplicados não no arrebanhamento do maior numero de pessoas, mas, na dedicação à transmissão da experiência cristã a pessoas que mostrem para ela uma abertura.

 Fonte: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB 

Lista de abreviaturas e siglas.

AP- Documento de Aparecida.

EJ- Evangelização da juventude.

CNBB- Conferência nacional dos bispos do Brasil.

RCC- Renovação carismática católica.

Bibliografia.

ALVEZ NASCIMENTO, Ricardo. O que devo fazer para evangelizar os jovens?RCC Brasil. http://www.rccjovem.com/materiais-de-apoio-do-mj/13/57-o-que-devo-fazer-para-evangelizar-os-jovens.html. Acesso em 2 de junho de 2010.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização da Juventude. Desafios e perspectivas pastorais. Brasília: Edições CNBB, 2007.

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida.Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulinas- Loyola- Edições CNBB, 2007.

GEFFRÉ,Claude.O destino da fé Cristã num mundo de indiferença. Consilium, Petrópolis. n. 185, p. 80-94. 1983

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Email