[Artigo] Realmar a Economia

[Artigo] Realmar a Economia

Realmar a Economia (2ª parte)

Por Eduardo Brasileiro,
membro da ABEFC – Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.

 

Na Encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da Casa Comum o Papa Francisco deu às margens da doutrina social da Igreja para esse tempo do Mundo. A primeira compreensão de que tudo está interligado (LS 16) para compreendermos que a destruição da terra – por exemplo, o fogo no pantanal não é algo ‘natural’ mas fruto das mudanças climáticas, ou a pandemia da SARS-COVID19 causada por uma agricultura predatória – e a destruição dos pobres num planeta no qual uma pequena minoria de humanos, com base na “tecnociência” (LS 107), no poder bélico e uma “concepção mágica do mercado” (LS 190) busca incansavelmente o “desenvolvimento e progresso” entendidos como acúmulo ilimitado de bens. Como diz Francisco:

Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza. (LS 139)

Assim, também o Papa Francisco afirmou na mais recente encíclica ‘Fratelli Tutti – Somos todos irmãos’ ao afirmar que o amor fraterno em sua dimensão universal precisa superar as discriminações de religião, raça, gênero e classe social e superar as fronteiras dos negócios internacionais. No documento, a síntese do diagnóstico é a constatação que “(…) Neste mundo que corre sem um rumo comum, respira-se uma atmosfera em que «a distância entre a obsessão pelo próprio bem-estar e a felicidade da humanidade partilhada parece aumentar: até fazer pensar que entre o indivíduo e a comunidade humana já esteja em curso um cisma” (FT 31).

Portanto, o que tentaram nos dizer que é natural ou irreversível, como a lógica de consumo, produção e distribuição das riquezas devem ser combatidas forjando uma nova ordem econômica, social e política. O chamado do Papa Francisco para a Economia se inscreve não somente nas linhas da Laudato Si’ e da Fratelli Tutti mas em todas as iniciativas que no mundo se sobrepõem a cultura do descarte humano e ecológico. Trata-se de uma mudança cultural de uma sociedade que ascendeu ao estatuto de religião o homo economicus: voraz consumidor, acumulador e competidor, move-se pelo seu bem-estar que está em marcas, imediatismos e status social.

Enquanto corremos para esses apontamentos há um governo sobre todos, numa engenharia social que foi capaz de incutir em nós que a origem de todo prazer é um desejo satisfeito, e, em contrapartida, as elites econômicas e políticas precarizam a vida de toda a população. A realidade é chocante: neste país de 210 milhões de habitantes, o emprego normal privado se resume a 33 milhões de pessoas. Somando 11 milhões de funcionários públicos, são 44 milhões, apenas 42% de força de trabalho que deveria estar na ativa. A subutilização da força de trabalho constitui uma enorme insensatez econômica ou melhor dizendo, uma tática política que deseja ver milhões sem nada, enquanto morrem de fome ou de qualquer doença.

Por isso, em 2014, o Papa Francisco movia-nos em direção de uma ordem econômica que pensasse os 3 T’s como prioridade: Terra, Teto e Trabalho.

Os grandes bilionários brasileiros concentram riquezas a partir do que chamamos de acionistas, controladores de fundos de investimentos, donos de cotas bancárias, e naturalmente banqueiros ou acionistas de bancos. Isso se chama intermediação financeira, que virou na verdade, um jeito de se fazer dinheiro em cima de dinheiro sem produzir trabalho e riqueza para a sociedade. E, mais, criam monopólios comerciais, onde cada vez mais em nossos territórios temos menos comércio local e mais grandes empresas vindas de fora.

Se a economia atual fosse voltada para a vida das pessoas não seria normal termos um investimento em todas as pessoas para que elas pudessem trabalhar para gerar suas próprias riquezas? Nossa economia é antropocêntrica porque nega as outras vidas, se não a humana e monetocrática porque centraliza seus esforços no dinheiro em cima de dinheiro, ou seja, como fim das relações econômicas e não para a vida do planeta (Biocêntrica).

Essa nova economia (realmada) como nos pede Francisco parte de pressupostos primeiro civilizacionais (porque caminhamos para a desumanização completa) de reconhecer outra arquitetura econômica:

– Democracia Econômica Participativa: Nos munícipios do país chegamos na época de eleições. Quais são as candidaturas que apontam para uma participação no orçamento municipal? Quais candidaturas são capazes de dizer que vão respeitar os princípios do orçamento participativo e farão uma gestão onde o povo votará as prioridades do orçamento dos municípios? Nesta discussão reside o sumo do realmar a economia: a participação para superação das injutiças.

– Taxação dos fluxos financeiros: No Brasil desde 1995 os bilionários do país não possuem imposto sobre suas fortunas e sobre suas rendas, sendo o último país do mundo a manter tamanha disparidade enquanto pobres 85% da população brasileira, vive endividado. Os sistemas tributários devem ter como horizonte maior equilíbrio distributivo e à produtividade maior dos recursos, portanto, pensar que na pandemia houveram grandes corporações do e-commerce e setor farmacêutico lucraram absurdamente diante da queda da economia, deveriam ser sobretaxados para que seus lucros (que ao contrário do que pensam, não vão para a mão dos seus trabalhadores e sim concentram-se nas mãos dos acionistas) sejam distribuídos em políticas de saúde públicas, por exemplo. Também tirar tributos sobre o essencial para a vida que é a cesta básica.

– Renda Básica Universal: A renda básica, adotada em caráter emergencial em vários países, se torna um primeiro impulso para projetos de renda básica universal, debatidos como meramente utópicos até o ano passado. O primeiro país a aprovar uma renda permanente é a Espanha, duramente atingida pela pandemia. Estamos, portanto, caminhando para que a renda básica seja componente normal das economias. Não é possível deixar parte substancial das pessoas desassistidas, por isso, vale se conectar aos movimentos sociais como a Rede Brasileira de Renda Básica.

– Políticas Sociais de acesso universal público e gratuito: A pandemia provou que a lógica de redução dos serviços públicos para privatização de toda ordem é uma grande falácia que esconde um interesse econômico de enriquecimento de certos grupos em detrimento da população. Mais de 70% da população brasileira utiliza o SUS (Sistema Único de Saúde) e esses sistemas sofrem há anos do desinvestimento (sucateamento) e de congelamento de investimentos futuros.

– Pedagogia da Economia: O professor Ladislau Dowbor, economista da PUC-SP e ex-consultor da ONU para economia, produziu uma série de vídeos apontando para uma “pedagogia da economia” como uma forma de sairmos do economês e tomarmos nas mãos a reflexão sobre uma economia mais justa. Acompanhe suas aulas, verá que economia é mais fácil do que imagina:

Por fim, essa agenda proposta é parte de uma grande disseminação de conteúdos, reflexões e diálogos com o povo para que se construa uma discussão pública séria sobre economia que aponte esse horizonte na política. Vivemos num tempo de rupturas, primeiro, porque o mundo real está sendo transformado. Segundo, a teoria econômica é obrigada a examinar como ela pensa seu papel. Terceiro, a ruptura pessoal: decidir abandonar os modelos que não ajudam mais a entender o mundo e adotar uma perspectiva mais interdisciplinar.

Obs. No próximo texto vamos aprofundar as práticas territoriais para realmar a economia.

 

Eduardo Brasileiro, educador social e sociólogo vive na Zona Leste de São Paulo. Selecionado para o evento em Assis ‘The Economy Of Francesco’, é membro da ABEFC – Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.

 

Bibliografia
PAPA FRANCISCO. Laudato Si’ Sobre o cuidado da Casa Comum. 2015. https://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf

PAPA FRANCISCO. Fratelli Tutti – Sobre a Fraternidade e a Amizade Social. 2020. http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html

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