Aperte o cinto, recalcule a rota, e se permita viver “onlife”: confira o 1° texto da série Rumo à presença plena

Aperte o cinto, recalcule a rota, e se permita viver “onlife”: confira o 1° texto da série Rumo à presença plena

Do capítulo: I. Atenção às ciladas nas rodovias digitais
Aprender a ver a partir da ótica de quem caiu nas mãos dos ladrões (cf. Lc 10, 36).

por Gustavo Monteiro

Pense rápido e com sinceridade: é possível viver de uma maneira totalmente desconectada da Internet ou de qualquer tecnologia digital? Seja nas redes sociais, no ensino remoto, no trabalho, para se comunicar com os amigos e a família, para relaxar em um sábado à noite assistindo uma série, ou para ler um texto interessante dos Jovens Conectados, não tem jeito: mais cedo ou mais tarde, seus olhos vão estar em uma tela.

E se é impossível se desconectar completamente, como podemos unir a vida online àquilo que acreditamos? Essa é a pergunta que parece servir de destino no GPS do documento “Rumo à presença plena – Uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais”, do Dicastério de Comunicação do Vaticano. E se você (com razão, não se preocupe) pensar que não tem tempo para ler o texto inteiro, preparamos um resumão do primeiro capítulo. A viagem pode ser perigosa e não custa nada ter um pouco de cuidado, mas a boa notícia é: não estamos sozinhos. Segura, que lá vem spoiler!

Às vezes não é amor, é cilada

Quem nunca julgou o comportamento digital de um amigo ou familiar, que atire a primeira pedra. “É uma pessoa tão boa, meu Deus, como pode postar esse absurdo?”. Muito embora seja de conhecimento geral que os algoritmos das redes nos isolam em grupos que pensam de maneira igual à nossa (o que nos tira a oportunidade de crescer na nossa percepção de mundo), que somos consumidores e produto ao mesmo tempo, e que as promessas de liberdade de pensamento e de informação que foram proclamadas pelas grandes empresas de comunicação são uma falácia, é fácil se deixar levar e acabar perdendo o equilíbrio.

Diante disso, é possível furar a bolha para não perder as relações? Quais são as oportunidades e os perigos que existem na atividade online? É sobre isso que se dedica o capítulo “Atenção às ciladas nas rodovias digitais”.

E o argumento principal da reflexão vem de uma história antiga e sempre nova. Muito antes da existência das redes sociais, quando questionado por um seguidor sobre o que fazer para herdar a vida eterna, Jesus conta uma parábola. É um homem que, viajando por uma estrada, é assaltado e ferido por um grupo de ladrões. Eu sei que você já ouviu diversas vezes essa conversa, mas, tenta se colocar no lugar daquela pessoa: muitos homens de bem passam e, sem querer te enxergar, viram o rosto. Até que alguém que menos se espera, um samaritano (podemos trocar por “hater”), para, olha, se compadece, e decide cuidar de você.

Não são ladrões físicos, mas as estradas da Internet estão cheias de ciladas, e a principal delas talvez seja a divisão entre as pessoas que, levada às últimas consequências, nos cega. A incapacidade de se relacionar com quem pensa diferente é como passar por alguém ferido e trocar de calçada. Na vida de todo dia, o interessante é que não existem papéis fixos: ora somos o homem ferido, ora somos os que não socorrem, mas tenho certeza de que queremos ser como o bom samaritano, aquele sabe ser “próximo”.

Destrinchando os perigos da estrada

Com o intuito de criar um panorama do que está em jogo quando o assunto é Internet, o documento elenca as principais ciladas que existem:

1) Desigualdade digital
Trata-se de um outro tipo de pobreza, mas que existe em alguns contextos socais: “muitas pessoas continuam a não ter acesso, não só às necessidades básicas, como alimentos, água, roupas, moradia e assistência médica, mas inclusive às tecnologias de comunicação e informação” (Tópico 12 do documento).

2) “Se você não pagar pelo produto, o produto é você”
Parece episódio de Black Mirror, mas não é ficção: de indivíduos, passamos a consumidores que recebem publicidade direcionada; e de consumidores nos tornamos produtos, com os nossos dados sendo comercializados. Você já leu o que você aceita antes de comprar um celular ou entrar em uma rede social?

3) Bolhas de filtro
A sensação pode até ser boa, mas a coisa não se sustenta a longo prazo. Com experiências cada vez mais personalizadas para nos manter o maior tempo possível produzindo dados, acaba que o que recebemos nas redes ou em mecanismos de busca é cada vez mais restrito àquilo que já acreditamos. O resultado disso é que recebemos verdades parciais (ou fake news mesmo) e vivemos em bolhas repletas de filtros que nem mesmo entendemos.

4) O cancelamento do diferente
Isso acaba fazendo com que nos tornemos sempre mais intolerantes com pessoas que não pensam iguais a nós.

5) Campo livre para extremismos
E a falta de um contato saudável com a diferença é a semente dos discursos e, em último caso, dos comportamentos extremistas.

Comunicadores de encontros

Desatentos, mais cedo ou mais tarde podemos cair em algumas dessas ciladas e passar a dividir as pessoas entre “nós” e “eles”, como fica evidenciado no tópico 19: “Quando os indivíduos não se tratam uns aos outros como seres humanos, mas como meras expressões de um certo ponto de vista que não compartilham, testemunhamos outra expressão da ‘cultura do descarte’, que prolifera […] a normalização ‘da indiferença’. Retirar-se no isolamento dos próprios interesses não pode ser o caminho para restabelecer a esperança. Pelo contrário, o caminho a percorrer é o cultivo de uma ‘cultura do encontro’, que promova a amizade e a paz entre pessoas diferentes”.

É preciso, portanto, dar o primeiro passo e pensar na atividade online como uma ferramenta de expansão da cultura de paz e de encontro, que privilegie a formação de uma verdadeira comunidade. Conscientes da própria fragilidade, antes de qualquer like ou compartilhamento, seria interessante que todo mundo parasse por um momento para se perguntar: “quem eu gostaria de ser na rodovia digital?”. Já que é impossível viver sem as novas tecnologias, que não estejamos “online” nem “offline”, mas “onlife”: conectados com a Vida, aquela verdadeira, dentro e fora das redes.

| Leia aqui o documento na íntegra.

da redação, por Gustavo Monteiro
Jornalista, escritor, e membro do Movimento dos Focolares.

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