A Família e a Juventude – “A Família: o Trabalho e a Festa”

A Família e a Juventude – “A Família: o Trabalho e a Festa”

“Eu vos escrevi, jovens: sois fortes, a Palavra de Deus permanece em vós, e vencestes o Maligno.” (1Jo 2, 14) Esse entusiástico texto manifesta aquilo que humanamente podemos perceber na juventude: a vitalidade. Embora muitos dos nossos jovens atravessem situações precárias, não deixam de ser um sinal de promessa, pois a vida oferece-lhes diferentes possibilidades de desdobramento e de esperança. Todavia, a vitalidade juvenil necessita de condições favoráveis para o seu pleno desenvolvimento, a fim de que o jovem se torne um ser humano maduro em todas as etapas de sua vida presente e futura. Por isso, as condições de vida física (biológica), psíquica e espiritual têm aqui um papel relevante.

“Qual o homem que não ama sua vida, procurando ser feliz todos os dias?” (Sl 34, 13) A realização da felicidade para o jovem passa por um laborioso dinamismo de amadurecimento, através das experiências positivas e negativas, das alegrias e das tristezas, que leva a cabo o processo de integração positiva dos três níveis apontados acima. Isso se dá sobretudo na comunhão com o outro: com Deus, com a sociedade e, de modo particular, com a família.

Cabe à família, por um lado, acolher e educar a juventude nos valores perenes que esta pode lhe transmitir, e, por outro, deixar-se interpelar pela juventude que possibilitará novas abordagens dos valores, sua atualização e, em certos casos, criação de novos. O Documento n. 85 da CNBB, sobre a Evangelização da Juventude (EJ), diz-nos o seguinte:

Atingida por tantos fatores externos, nem sempre a família é capaz de cultivar valores essenciais para a vida. O jovem, então, exercitando no seio da família o amor, o perdão, a paciência, o diálogo, o serviço, vai amadurecendo como pessoa e, enquanto se forma, vai, ele mesmo, sendo portador de valores em benefício da família. (n. 104)

Neste sentido, a Pastoral Familiar é uma das forças pastorais atuantes junto à juventude, a partir da riqueza que lhe é própria (cf. EJ, n. 50), procurando sempre levar em conta, nas suas diferentes e variadas formas de ser e de agir, a presença do jovem na família, sua relação com o trabalho e com a festa.

Juventude e família
No n. 33, o Documento Evangelização da Juventude faz um diagnóstico realista quanto à relação juventude e família:

Cresce o número de homens e mulheres que não fundam lares estáveis, levando o núcleo familiar a se desintegrar. Essa situação deixa fortes cicatrizes emocionais na personalidade de muitos jovens em um momento crítico de suas vidas.

Tal situação é, ao mesmo tempo, resultado e causa de incapacidade de comprometimento com outro, manifestação de imaturidade afetiva e humana. Constata-se hoje o fenômeno crescente dos solteiros, que vivem com seus pais até os trinta e quarenta anos e são marcados pela cultura individualista, hedonista e consumista. Por outro lado, muitos são também aqueles que assumem “diferentes situações de responsabilidade” (n. 30) face à família de origem ou àquela que se constitui.

O desejo latente no coração dos jovens em encontrar alguém, para amá-lo (la) e com ele (ela) ser feliz, deve impulsionar nosso serviço pastoral, em particular o da Pastoral Familiar, a proporcionar meios para uma verdadeira educação para o amor, a afetividade, a sexualidade e a responsabilidade.[1] Diz-nos o Beato João Paulo II:

Ao se amar o amor humano, surge também a viva necessidade de dedicar todas as forças à busca de um ‘belo amor’. Porque o amor é belo. Os jovens, no fundo, buscam sempre a beleza do amor; querem que seu amor seja belo.[2]

O favorecimento do ambiente familiar (cf. EJ, n. 246), através do seu reconhecimento público como sendo recurso para a pessoa e para a sociedade, contribuirá com a educação do jovem num ambiente propício para a sadia integração das relações humanas (cf. EJ, n. 231).

É importante uma nova visão sobre a família como modo antropologicamente adequado para a pessoa viver as relações. Algumas vezes se tentou e se tenta acabar com a instituição familiar. Atualmente, o que prevalece mais é uma desconstrução da instituição e da própria pessoa, a fim de apresentar uma pseudoliberdade que, segundo os promotores de tal postura, construa ao bel-prazer sua determinação sociocultural.

Faz-se necessário uma compreensão do amor guiado por uma decisão livre e determinada. O amor se difere da paixão amorosa, embora esta possa estar na base e na continuação daquele. E a relação com outro não se resume somente no que se pode obter como prazer e satisfação. Absolutizar estes dois últimos desestimula muitos jovens ao comprometimento duradouro. Portanto, a preparação para o matrimônio, ou para uma vocação consagrada, bem como a formação para a integração positiva do dado biológico, psicológico, espiritual vividos pela pessoa no seio da cultura e da sociedade hodierna, pode receber um grande contributo da Pastoral Familiar.

Juventude e trabalho
É necessária uma firme atuação de todos os segmentos da Igreja no sentido de garantir o direito dos jovens à vida digna e ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Isso se desdobra e concretiza no direito à educação, ao trabalho e à renda, à cultura e ao lazer, à segurança, à assistência social, à saúde e à participação social. (EJ, n. 230)

O trabalho e a educação são as portas para a realização pessoal do jovem, a fim de que ele seja capaz de edificar uma vida digna para si e para os seus. Cabe aqui uma compreensão justa da educação e do trabalho visto como o exercício próprio do homem que habita e transforma o mundo através da partilha, da solidariedade e da responsabilidade não só para com sua família, mas também para com a sociedade em que vive.

Ao procurar satisfazer suas necessidades, a juventude encontrará hoje grandes desafios na área da educação e do mercado de trabalho. Recentes pesquisas demonstram o quanto os jovens estão estudando mais para conseguirem melhores empregos. No entanto, o esforço em contribuir para que o jovem tenha acesso ao mercado de trabalho não se resume em uma oferta de empregos que prometem enriquecer alguns, bastante motivada pela lógica do consumo. Neste sentido, o investimento na formação de profissionais técnicos favorece uma escolha mais adaptada para alguns jovens em termos de estudos, e, outrossim, atenderá as urgentes demandas de mão-de-obra hoje no Brasil. Não basta fomentar o interesse de muitos jovens em fazer faculdade. É necessário adequar a proposta educacional para cada perfil de juventude e para cada situação regional. Um exemplo disso é o desafio que representa o trabalho no campo para os jovens que ali vivem. Dar-lhes condições dignas de trabalho e justo retorno de seus investimentos são garantia de uma distribuição realista da mão-de-obra juvenil e abertura de possibilidades de realização pessoal para tantos dentre eles.

Juventude e festa
Um dos traços característicos do ser humano é o fazer festa, celebrar, confraternizar-se, tudo isso animado pela música e pela dança. O jovem também encontra sua alegria nestes momentos que, pode-se afirmar, humanizam o tempo de cada pessoa. Contudo, o aprendizado do bom exercício dos afetos faz-se necessário, a fim de que o jovem saiba ir além dos momentos fugazes e efêmeros e construa, ao longo de sua vida, uma maturidade afetiva que lhe permita dosar com sabedoria a busca do prazer, da satisfação e da própria alegria.

A tradição cristã, sobretudo na Eucaristia, nos ensina a fazer com que a história seja abraçada pela memória de momentos felizes que nortearam e continuam a nortear a nossa vida. A alegria, que a juventude pode encontrar na celebração eucarística bem-vivida e celebrada com beleza, pois é o encontro com Aquele que traz sentido para a vida, recolhe os bons frutos de uma vida humanizada pelos momentos festivos, sobriamente organizados e experimentados. Nisto a família é chamada a ser o lugar propício para a celebração cotidiana do dom da vida, da partilha, do serviço e do amor, e sendo a primeira a propor ao jovem o que diz o salmista: “Coloca no Senhor tua alegria, e ele dará o que pedir teu coração” (Sl 37, 4).

Por padre Rafael Fornasier
Assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB


[1] Citamos alguns textos para leitura: Pontifício Conselho para a Família. Sexualidade humana: verdade e significado, 1995; CNBB. Aos Jovens com Afeto. V. 1, Brasília: Edições da CNBB.

[2] Citado no texto “30 questões sobre o amor”, que em breve será publicado no Brasil pela Comissão Nacional da Pastoral Familiar.

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