[Artigo] Juventudes brasileiras e o distanciamento institucional religioso

[Artigo] Juventudes brasileiras e o distanciamento institucional religioso

por Pe. Roque Luiz Sibioni, SDB.

O breve artigo visa apresentar e refletir possíveis questões contemporâneas relacionadas ao aumento de jovens que se declaram “sem religião”, porém, vivem experiências religiosas, espiritualidades e a fé, de maneira desinstitucionalizada. A pesquisa da Data Folha de 2022, ressaltou o aumento do número de pessoas que se declaram “sem religião”, fenômeno que vem crescendo desde a década de 1960, quando 0,5% da população brasileira declarava-se sem religião, atingindo 14% nos tempos atuais.

Os dados ressaltam que, em duas das principais capitais brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, o número de jovens entre 16 e 24 anos que se dizem “sem religião”, ultrapassa os 30% da população juvenil, um grande desafio para as Igrejas cristãs, pois o fato reporta-se tanto sobre o catolicismo quanto aos vários segmentos do protestantismo, por ser o Brasil um país no qual há o predomínio do catolicismo e das Igrejas cristãs/pentecostais, em relação às demais religiões e igrejas.

Diante dos dados apresentados é preciso compreender que jovens e juventudes não vivem em uma sociedade à parte, ou dentro de uma bolha sociocultural temporal que os isola das demais gerações, problemáticas, ideologias, desigualdades com as quais convivem. Jovens e juventudes são frutos dos seus tempos, contextos, culturas, condições, ao mesmo tempo em que também empoderam-se, conquistam espaços, reconhecimentos, produzem culturas, linguagens, valores, lutam por direitos, modos de ser próprios e originais por meio dos quais também influenciam seus coetâneos, contextos, realidades, culturas, gerações e sociedades nas quais vivem.

Há uma pluralidade e diferenciação bastante grande entre as/os jovens e as juventudes devido às desigualdades, acesso a oportunidades, políticas públicas, direitos e condições que perpassam a vida, a identidade e as trajetórias juvenis, ampliadas e singularizadas pela territorialidade, raça, sexo, gênero, etnia, local de moradia, estrutura familiar, dentre outros. Portanto, não há um único modo de ser jovem, não há um protótipo de jovem ideal instituído que possa ser tomado como padrão para todas/os jovens, pois cada sujeito vive de maneira única a própria condição juvenil.

O que pode vir a diferenciar jovens e juventudes das demais gerações é a sua sensibilidade, criatividade e originalidade de produzir, captar e expressar de maneira múltipla, diferencia, diversa e antecipada as tendências e elementos presentes e emergentes nas sociedades, contextos e culturas nas quais vivem, tanto positivos quanto negativos, aceleradas e entrecruzadas pela globalização, conexão, apropriação e exposição virtual, Internet, tecnologias da informação, comunicação e redes sociais, ou seja, os mundos estão conectados, de alguma maneira, e configuram modos de ser, subjetividades, produtos e modos de consumir, cosmovisões, pertencimentos, experimentações.

Mesmo que apresentados de maneira breve, tais elementos culturais precisam ser muito bem conhecidos pelas religiões, Igrejas, famílias, educadores, sociedade em geral, pois jovens e juventudes, de alguma maneira, estão imersos neles e eles influenciam suas vivências, experimentações, sonhos, valores e projetos de vida.

Não há mais espaço ou postura para moralismos, autoritarismos, preconceitos, adultocentrismos, mas, sim, emerge, cada vez mais, a necessidade de “criar pontes e derrubar muros”, fomentar o diálogo, conhecer, acolher e acompanhar os diversos modos de se viver a condição, as trajetórias e as experiências juvenis, abrir-se para o aprendizado em conjunto com as/os jovens a partir de suas realidades, anseios, problemáticas, questionamentos, inseguranças, incertezas dentre outros.

O distanciamento dos jovens da religião pode dar-se por diversas interfaces. Dentre elas, está a ascensão da secularização, que esvazia e enfraquece as culturas na transmissão de valores religiosos e cristãos para as novas gerações e enfraquece a abertura à transcendência; do consumismo e o materialismo, que deposita os anseios existenciais mais profundos e a felicidade no poder econômico de consumir e no ato de consumir produtos, para o qual o próprio ser humano tende a desumanizar-se, ser descartado, torna-se produto de consumo; nos escândalos, clericalismos e abuso de poder por parte de líderes religiosos; na falta de abertura e confiança nos sujeitos jovens e nas juventudes nas comunidades, dentre outros.

Outro dado apontado pela pesquisa mencionada, acima, é que a religião está perdendo cada vez mais o seu poder de transmissão vertical dos valores religiosos (entre as gerações), no segmento juvenil atual. Para grande parte das juventudes, e, horizontalmente, surgem várias maneiras de ter fé e declarar-se sem religião. A experimentação religiosa é assumida como uma forma de viver a experiência do sagrado, que não passa, necessariamente, mais entre as gerações e pelo crivo da institucionalização religiosa e familiar, ou seja, há uma ruptura na transmissão da fé e dos valores religiosos verticalizada entre as gerações, as famílias e a sociedade.

Há um aumento do trânsito religioso e da experimentação religiosa entre as juventudes, nas quais declarar-se sem religião pode ser um ponto de partida ou um ponto de chegada. Muitos jovens, da geração atual, tendem a buscar alternativas religiosas próprias e não, obrigatoriamente, seguir uma religião de família, pois seus anseios e buscas religiosos devem atender suas interrogações de fé e apresentar chaves de leitura para as incertezas do presente que acompanham seus sonhos, trajetórias e projetos de vida.

Enquanto portadores dos “sinais dos tempos”, jovens e juventudes são de fundamental importância para a vida e a renovação das religiões, pois há muitos jovens comprometidos e engajados nas religiões, igrejas e comunidades, assim como poderá haver jovens e juventudes que se declaram sem religião e sem vínculos com o sagrado e a transcendência. O que está em mutação, segundo a pesquisa, é a forma como muitos sujeitos jovens vivem as suas buscas pelo sagrado, suas experimentações e alternativas no campo religioso. Eles e elas questionam de maneira implícita ou explícita a força coercitiva da instituição religiosa. Buscam experiências religiosas mais flexíveis, personalizadas, desinstitucionalizadas e subjetivas, enfatizam mais a experimentação do que a permanência na religião, pois há o sentimento de que as instituições religiosas não estão sendo capazes de “oferecer chaves de leitura para a realidade de nosso tempo”.

Frente a estas questões religiosas, as e os jovens diferenciam-se entre as alternativas religiosas e as formas de adesão, mas intensa ou flexível, pois não há um único padrão de relacionamento da juventude com a religião. Há os que estão vinculados a uma determinada religião, os que transitam entre as opções disponíveis no campo religioso e os que vivem uma espiritualidade de maneira livre, independente, sem aderir a uma religião.
Porém, um fator importante evidenciado é que “as instituições religiosas continuam tendo seu lugar justamente porque elas oferecem a participação em comunidades de fé”, reconhecida por muitos jovens como de grande importância para a vivência da própria fé, engajamento, protagonismo e trajetória religiosa.

A Igreja do Brasil reconhece e entende que as/os jovens constituem-se um ‘lugar teológico’ privilegiado. É preciso aprender a ler, desvelar e reconhecer “o sagrado que se manifesta de muitas formas, também na realidade juvenil”. As/os jovens são “a nossa sarça ardente” através da qual Deus nos fala. É um mistério a respeitar, acolher, do qual perceber os aspectos mais profundos, diante do qual tirar as sandálias para contemplar a revelação de Deus na história de todos e de cada um”. Cristo e o Evangelho “são um direito que devemos aos jovens”.

Enquanto mãe e educadora da e na fé, a Igreja, para comunicar e apresentar a Boa Notícia, que é Jesus Cristo, aos jovens, precisa conhecê-los, acolhê-los, estar com eles. Eles e elas precisam de uma Igreja samaritana que, agindo em nome de Jesus Cristo, aproxime-se das problemáticas, condições, anseios, experiências, perspectivas de vida, que saiba ouvir profundamente suas vozes ditas e silenciadas, compartilhar com eles caminhos, cansaços, incertezas, mas, também, saiba, empaticamente, respeitosamente e afetivamente, dialogar com eles, interessar-se por aquilo que lhes interessa, os preocupa, os desafia, move suas vidas, sonhos e angústias. Enquanto mãe e pedagoga, a Igreja deve ser sua companheira “na busca do sentido da vida e na busca de Deus.”

A missão evangelizadora da Igreja continua a mesma, ou seja, a Igreja existe para revelar de maneira profética e fecunda o rosto de Jesus Cristo na história, para cada ser humano, e testemunhar a presença do Cristo Ressuscitado nos mais diversos e desafiadores contextos nos quais ela está inserida, particularmente entre e para as juventudes. Cabe a ela, movida pelo Espírito Santo, conhecer cada vez mais as sociedades, os contextos, as culturas, as gerações, as linguagens, as juventudes para apresentar e encarnar nelas a Boa Notícia do Reino de Deus.

No que tange a evangelização das juventudes, a pastoral juvenil, é a “ação organizada da Igreja” para acolher e acompanhar as e os jovens nas suas buscas por um sentido para a vida e testemunhar junto com eles a fé na pessoa de Jesus Cristo, integrando a fé, a vida, a cultura e a condição vivida por cada jovem. O ponto de partida da pastoral juvenil “é a realidade do jovem e seu contexto” para que o anúncio de Jesus e de seu Evangelho possa ser, de verdade, uma ‘boa notícia’ transformadora, e o ponto de chegada é a construção do Reino de Deus, a civilização do amor. Para tanto, a pastoral juvenil propõe-se auxiliar na compreensão de que “a participação responsável dos jovens na vida da Igreja não é facultativa, mas uma exigência da vida batismal e um elemento indispensável para a vida de toda a comunidade”.

Portanto, cabe à Igreja e as comunidades cristãs ir ao encontro das/dos jovens, criar e oportunizar atitudes e ambientes de acolhida incondicional para todas/os os jovens, aprender a dialogar com eles e acompanhá-los em suas lutas, sonhos, trajetórias e projetos de vida, em vista de que possam ser protagonistas da evangelização e da renovação social.

A Igreja “olha para os jovens com esperança, tem confiança neles e encoraja-os a procurarem a verdade, a defenderem o bem comum, a possuírem perspectivas abertas sobre o mundo e olhos capazes de ver ‘coisas novas’”(Is 42,9;48,6). A missão é auxiliar e acompanhar as/os jovens rumo à plenitude da vida, quando ela se transforma em oferta gratuita: “Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo”, “para quem sou eu” neste mundo?.

Perguntas que precisamos nos fazer, enquanto Igreja é: quais e quem são as/os jovens e juventudes destinatários da sua missão evangelizadora? Como chegar até elas e eles? Como dialogar com elas e eles? Como propor e apresentar para eles a pessoa de Jesus Cristo e o seu projeto de salvação para todos? Quais espaços e atitudes de acolhidas elas e eles encontram em nossas comunidades de fé?

Padre Roque Luiz Sibioni, SDB, Pró-Reitor de Extensão, Ação Comunitária e Pastoral – UNISAL; delegado da Pastoral Juvenil Salesiana (PJS) da Inspetoria de Nossa Senhora Auxiliadora, de São Paulo.

Foto Destaque: Daniel Mafra/cancaonova

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