Caminhada jovem franciscana em Bauru tem participação de jovens sírios

Caminhada jovem franciscana em Bauru tem participação de jovens sírios

Foto: Ivo Leite.

Foto: Érika Augusto.

O feriado de 21 de abril amanheceu diferente em Bauru. Logo cedo, às 6h30, um ônibus vindo de São Paulo era o prenúncio de que a rotina da cidade mudaria pelos próximos dias. Assim foi a movimentação durante toda a manhã na Paróquia Santo Antônio. Ônibus vindos de São Paulo e Sorocaba (SP), Concórdia, Gaspar, Florianópolis, Santo Amaro da Imperatriz e Lages (SC), Nilópolis e Petrópolis (RJ), Curitiba e Chopinzinho (PR), frades e leigos da Custódia Franciscana do Sagrado Coração de Jesus, além dos participantes de Bauru e Agudos. Entre os participantes estavam também jovens estrangeiros da Nicarágua e Síria.

A animação ficou por conta dos jovens da paróquia, com muita música e brincadeiras, enquanto outros cuidavam da cozinha, para preparar café da manhã e almoço para as mais de 270 pessoas presentes. Frei Ademir Sanquetti, recém chegado na Paróquia, e Frei Guimarães deram as boas-vindas e deixaram todos muito à vontade.

Após o almoço, todos se reuniram na igreja para as primeiras instruções sobre a caminhada. O tema escolhido para esta caminhada foi “Redescobrindo o rosto misericordioso do Pai”. Ir. Inês, Franciscana de Ingolstadt, deu algumas luzes aos jovens, falando da passagem evangélica do Pai misericordioso. A religiosa fez um apelo aos participantes para que pudessem olhar para o outro e perceber o que ele está necessitando – na família, no trabalho, e também nestes próximos dias de caminhada.

No primeiro dia, o itinerário era curto, até a Paróquia Santa Clara, em Bauru. Os jovens percorreram 4,5 km até chegar ao destino final, onde foram recebidos com muita euforia, cantos de louvor e um lanche. Ali aconteceu a primeira missa, presidida pelo pároco, Frei Alessandro Dias do Nascimento e concelebrada por Frei Diego Melo e Frei Edvaldo Batista, ambos do SAV (Serviço de Animação Vocacional). A igreja estava repleta de fiéis, que se uniram aos peregrinos para celebrarem a Eucaristia.

Em sua homilia, Frei Alessandro falou a respeito da liberdade e do seguimento a Jesus Cristo. Os jovens, vindos de diversas realidades, foram questionados a respeito de sua decisão para participar da Caminhada. “Vivemos num mundo que valoriza o tempo de produção, o individualismo, não temos tempo para nós, para os amigos, para Deus”, dizendo que esta lógica atinge ainda mais os jovens que estão começando suas vidas de trabalho e estudo. “A juventude é chamada  para um modo de vida insustentável, que segue a tendência da moda, sendo escravos do consumismo”, afirmou. E disse que o convite de Jesus rompe as barreiras do individualismo, chamando os cristãos a colocar a vida a favor do outro. “Descobrimos a felicidade quando encontramos o Ressuscitado”, disse. E motivou os jovens a buscarem a verdadeira liberdade dos que se colocam a serviço de Deus.

Foto: Ivo Leite.

Foto: Érika Augusto.

Em seguida, os jovens receberam das mãos dos acólitos corações com um Tau e a inscrição Paz e Bem. Frei Diego Melo agradeceu pela acolhida e pela dedicação da comunidade com este gesto carinhoso dos corações, que foram feitos a mão. “Deus também trabalha artesanalmente”, concluiu.

Após o jantar, os jovens foram acolhidos nas casas dos paroquianos, onde puderam descansar para a continuação da Caminhada Franciscana.

De Bauru a Piratininga – 15 km rumo ao Mosteiro das Concepcionistas

A lua brilhava no céu quando os primeiros jovens foram chegando à Paróquia Santa Clara. Às 4h30 a procissão luminosa saiu, rumo a Piratininga, a 15 km de distância. No caminho, muitos voluntários ajudando, oferecendo água, frutas, carro para apoio dos que precisassem. A cidade dormia enquanto os peregrinos passavam rezando o terço e cantando. Numa esquina, eles foram surpreendidos com uma casa iluminada, com os dizeres: “Quem tem fé vai a pé”, e as janelas abertas. Numa delas estava a Dona Maria José, acamada, ao lado de uma enfermeira. Ela acenava com alegria para os jovens, que emocionados, pararam em frente à sua casa para rezar e pedir a Deus por sua saúde.

O sol já estava a pino quando os jovens chegaram ao Mosteiro Imaculada Conceição e São José, na cidade de Piratininga. Muitos jovens nunca tinham entrado num mosteiro, e foram impactados ao entrar na humilde e bela igreja ao som do canto das religiosas enclausuradas.

A abadessa, Ir. Inês Maria, acolheu a todos com muita alegria. Apoiada em uma bengala, aos 63 anos, a religiosa brincou que a bengala era mais pelos problemas do corpo que pela idade, e disse da alegria que as irmãs estavam ao acolher tanta gente, feito inédito para elas. Frei Diego agradeceu e disse do grande significado de chegarem numa igreja que estava em construção, sobretudo para os que vivem a espiritualidade franciscana, que é o caso das irmãs e dos frades.

Os peregrinos então foram surpreendidos com um bonito gesto: os religiosos e religiosas presentes iniciaram o lava-pés dos jovens. “Deixar-se cuidar é expressão do amor”, afirmou Frei Diego. Os pés sujos e cansados da longa caminhada receberam água fresca e um beijo, simbolizando o serviço ao próximo. Alguns jovens também se sentiram motivados a lavar os pés dos companheiros, e em seguida dos religiosos.

Foto: Érika Augusto.

Foto: Érika Augusto.

Momento de escuta e partilha com Ir. Francisca Letícia

Após o almoço e um merecido descanso, os jovens puderam ouvir a partilha de Ir. Francisca Letícia sobre a vida monástica. A religiosa falou sobre Santa Beatriz da Silva, a fundadora da Ordem da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria e da ligação entre as religiosas e a Ordem dos Frades Menores. “O que os frades defendiam nos púlpitos, as Concepcionistas tornavam Projeto de Vida”, afirmou. Ir. Letícia disse que enquanto os jovens caminhavam, as religiosas rezavam, pedindo por eles e para que eles pudessem ter um encontro especial com Deus ao longo da experiência.

A religiosa contou de sua história vocacional e de sua decisão de entrar no mosteiro. Os jovens fizeram muitas perguntas a respeito da vida dentro da clausura. Ir. Francisca Letícia contou que sua inspiração veio de Santa Teresinha, que é padroeira das missões, mesmo sem nunca ter saído do convento. “Descobri que na oração poderia ajudar muito mais pessoas”, afirmou a religiosa, que quando jovem ajudava na Pastoral de Rua em Jaú.

A religiosa concluiu a sua fala fazendo um apelo aos jovens. “Abracem a cruz, e não a arrastem”, pediu.

No final da tarde, todos foram convidados para a Celebração Eucarística, animada pelas religiosas e pela equipe de liturgia que colabora no mosteiro. No Ato Penitencial, Ir. Francisca Beatriz convidou os presentes para contemplarem os pôsteres que estavam ao lado do presbitério. A religiosa falou da importância de restaurar a imagem de Deus em cada um. “Vá em busca da face misericordiosa de Deus. Apesar das limitações humanas, enquanto houver fé e disposição, a graça nos transforma”, afirmou.

Os jovens escolheram qual imagem mais chamava a atenção, do Bom Pastor ou do Pai Misericordioso acolhendo o Filho Pródigo. Atrás de cada pôster havia um espelho, para que eles pudessem olhar para o outro Cristo, que está dentro de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. “Esquecemos que há outro rosto sagrado, o do ser humano, o nosso. Deus sofre por nos ver sofrer, quando olhamos no espelho e não reconhecemos em nós a imagem e semelhança Dele”, disse Frei Diego.

A homilia ficou por conta do frade recém-chegado ao SAV, o diácono Frei Edvaldo Batista. “Jesus desperta nos discípulos o amor que havia se apagado após a crucificação”. O Evangelho do dia era muito propício para a Caminhada: Jesus se apresentando como caminho, verdade e vida. “Jesus não é o caminho dentro de outros caminhos, ele é O Caminho! É único, que nos traz a autêntica felicidade”, concluiu o frade.

Após o jantar, outras famílias se dispuseram a acolher os jovens em suas casas. A hospedagem foi curta: às 2h da madrugada já estavam todos reunidos para o último percurso da Caminhada Franciscana: mais 25 km até o Seminário Santo Antônio, em Agudos.

O relógio marcava 2h30 quando a oração começou. Não só os jovens e as famílias madrugaram, as irmãs também acordaram mais cedo que de costume, para partilhar com os jovens um pouco de sua rotina de oração. Todos rezaram a liturgia das horas, conduzida pelas religiosas, e assim buscaram forças para o início do terceiro dia de caminhada.

Mais uma noite de procissão luminosa, dessa vez pela cidade de Piratininga. Orações e cantos espantaram o sono e o cansaço. Os voluntários acompanhavam atentamente, oferecendo ajuda, água e frutas para os peregrinos. O dia estava raiando quando os jovens fizeram a primeira parada. Uma pausa para tomar café, descansar, alongar e ir ao banheiro. Ainda faltava muito para o ponto de chegada, e o sol logo começaria a tornar o caminho mais difícil.

Às 9h15 os jovens avistaram as torres da Paróquia São Paulo Apóstolo, em Agudos. Muita festa do lado de fora e de dentro da igreja. Frei Sílvio Trindade Werlingue, o pároco recém-chegado estava no presbitério, acolhendo os jovens que lotaram a igreja de amarelo – a cor predominante do colete usado pelos peregrinos. Uma banda animou a todos, que cantaram e louvaram, sem demonstrar sinais do cansaço que tomava conta de todos. Os paroquianos prepararam um café da manhã, que reabasteceu as energias.

Um pouco mais adiante os jovens foram acolhidos com mais festa, na igreja matriz Santo Antônio. Já na chegada, do lado de fora, muita animação e cantos. No lado de dentro Frei José Martins falou a respeito da saudação Paz e Bem, e todos repetiram com ainda mais entusiasmo: Paz e Bem! E receberam a bênção de Santo Antônio e um pão bento na saída, para alimentar e abençoar os jovens para os últimos 5 km até o Seminário Santo Antônio. Um trio elétrico, com músicos, animou o trecho nas ruas da cidade. Os moradores e comerciantes saíam de suas casas para ver e saudar os peregrinos.

Quase na reta final da caminhada, Frei Diego fez a motivação para que a partir daquele ponto, os jovens caminhassem em silêncio até a chegada no seminário. Apesar do calor, do cansaço e da euforia pelo término do trajeto, todos seguiram silenciosos. Os voluntários e frades que esperavam no seminário até estranharam todo aquele silêncio. Talvez esperassem gritos e comemoração, mas encontraram uma procissão silenciosa rumo ao seminário. Eram 11h50 quando o grupo chegou ao destino final da Caminhada.

Antes de entrar na igreja todos tiraram os tênis, como sinal da sacralidade, de “tirar a sandália dos pés” para encontrar o Senhor. E Ele estava esperando pelos peregrinos. No altar, o ostensório com Jesus Eucarístico esperava pelos jovens após os 45 km de Caminhada. O desejo de rezar e agradecer ao Senhor era mais forte que o cansaço. A oração que se seguiu durou aproximadamente 2 horas, onde a grande maioria permaneceu na igreja. No primeiro dia os jovens receberam um saquinho, e foram motivados a colocar dentro dele suas dúvidas e preocupações ao longo do trajeto. Dentro dele havia também incenso, que foi despejado aos pés do altar durante a oração.

Frei James Ferreira Gomes Neto, guardião do Seminário, deu as boas-vindas e expressou sua alegria pela acolhida dos jovens.

Foto: Érika Augusto.

Foto: Érika Augusto.

Energia e disposição para confraternização e partilha

Mesmo depois de dias tão intensos e cansativos, os jovens ainda tiveram disposição para uma tarde agradável no seminário. Brincaram na piscina, jogaram bola, pebolim.

No início da noite todos se reuniram na igreja para um momento de partilha em pequenos grupos. Alguns deram seu testemunho a respeito da Caminhada. Foi o caso do Vitor, de Chopinzinho. O jovem disse que durante o trajeto teve vontade de desistir, por causa do cansaço, mas que então sentiu que Deus falava com ele, e o animou para continuar caminhando. Chegando ao seminário, o jovem pediu que se Deus quisesse que ele seguisse o caminho da vida religiosa, que Ele tocasse seu coração, e foi o que aconteceu enquanto ele rezava aos pés de Jesus Eucarístico.

Fabiana, a idealizadora da Caminhada Franciscana em Bauru, também partilhou. Emocionada, a leiga contou do desejo de realizar uma atividade como esta, e de como foi possível tornar o sonho realidade.

No final do dia os jovens ainda tiveram ânimo para uma confraternização na piscina, com comidas, dança e música.

A experiência divina da Caminhada

No decorrer de todo o trajeto Frei Diego afirmava que aquele gesto de caminhar 45 km em poucos dias não era humano, mas divino. Somente a graça de Deus consegue explicar o sentimento que tomava conta de todos no encerramento da atividade.

Às 6h30 da manhã os participantes se reuniram para a oração da manhã, e fizeram uma dança circular. Às 8h todos estavam reunidos na igreja para a missa de encerramento. Em sua homilia, Frei Diego brincou com os jovens, perguntando qual celular eles preferiam, um modelo antigo ou um Iphone. Todos responderam que o segundo, por ser mais atual. “Jesus também nos oferece algo novo, atualizado”, afirmou o frade, falando a respeito do Evangelho deste 5º domingo da Páscoa. O frade disse também que nada daquilo que os jovens haviam experimentado era novidade: a acolhida nas casas, a ajuda dos voluntários, a oração. O que havia mudado nos jovens era o olhar. “Não há nada de novo nisso, mas nos toca pois redescobrimos o que é simples”, afirmou.

“Vivenciamos nestes dias novo Céu e nova Terra, na alegria de redescobrir o rosto misericordioso do Pai”, disse Frei Diego, que exaltou o esforço de cada um e disse que todos cumpriram a meta, mesmo aqueles que não conseguiram caminhar os 45 km. “A meta era dar o máximo de si, e foi isso que vocês fizeram”, acrescentou. “Vocês saem daqui com a missão de serem anunciadores desta Boa Nova, mostrando através de atitudes que vocês encontraram este rosto misericordioso de Deus, sem esquecer que este rosto está também em cada ser humano”, concluiu.

Na Oração Eucarística, Frei Diego fez questão de chamar no presbitério todos os religiosos, religiosas, vocacionados e vocacionadas, para rezarem juntos o Pai Nosso. O frade apresentou Frei Aristides, já idoso, que cuida da separação de resíduo reciclável na casa, e agradeceu por seu testemunho silencioso no cuidado com o outro e com o meio ambiente. O coordenador do SAV agradeceu aos voluntários, que tão prontamente abraçaram a causa da Caminhada Franciscana, trabalhando na preparação e na organização da atividade, que exigiu uma grande infraestrutura para acolher os quase 300 participantes.

Jovens sírios fazem a experiência da Caminhada

Além da imensa diversidade entre os estados, havia também na Caminhada Franciscana de Bauru alguns participantes estrangeiros. Claudia, da Nicarágua, e os irmãos Lara, Karin e Daoud Kauss, da Síria. Karin, de 19 anos e Daoud, de 23, moram em Petrópolis há 3 anos. Eles participam da Igreja do Sagrado Coração.

Eles contam que na Síria participavam de grupo de jovens, mas que nunca tinham participado de um evento parecido. Para o jovem, o momento do lava-pés foi muito marcante.

“Durante a caminhada todo mundo estava muito cansado, mas era necessário superar a dor e com força de vontade continuávamos. Achei que seria impossível, mas fiquei muito feliz quando cheguei ao seminário”, conta Karin.

Sobre o país de origem, Daoud conta que antes da guerra a Síria era um país muito pacífico, com muita harmonia entre as diversas religiões. Com a chegada do Estado Islâmico, e os muçulmanos radicais, muitos cristãos morreram pelo fato de serem cristãos e não negarem a sua fé.

“A Síria era uma panela de pressão, todo o dia tinha um bombardeio, um ataque”, conta Karin. Os jovens contam que faltam os serviços básicos, como ir à escola. “Alguns dias ficávamos 5 dias sem energia elétrica”, afirma. Eles dizem que enquanto estavam lá, não conseguiam pensar no futuro, por causa da insegurança do que poderia acontecer. A jovem conta que ficava muito triste com os acontecimentos, porque o coração dos próprios sírios ficava insensível com tantas mortes. “A gente mudou depois da guerra. Quando cheguei ao Brasil não conseguia sorrir mais”. Uma partilha tocou muito Karin, quando uma religiosa contou para eles na Caminhada que ela acordava de madrugada e rezava pelos sírios. “As pessoas querem saber da nossa história, mas rezar por isso para mim é muito importante, os meus mundos se encontram, a fé e minha origem”, afirma a estudante de engenharia civil.

Por Érika Augusto

Confira o vídeo da caminhada

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