Jornada Mundial da Juventude: quando tudo começou

Jornada Mundial da Juventude: quando tudo começou

JMJ – WYD – eu estava lá!

Estava vendo as notícias no www.h2onews.org nesta semana, e um dos videos fazia uma retrospectiva sobre a Jornada Mundial da Juventude e o Papa João Paulo II. Muito emocionantes as imagens e a revolução que representou cada JMJ em cada país onde ela aconteceu. De repente, me caiu a ficha de que eu participei da primeira Jornada Mundial da Juventude – que ainda não tinha esse nome – em 1985 em Roma! Meu Deus! Eu estava lá! E como um filme de final de feliz com partes de suspense e muitas experiências de fé, eu me lembrei de tudo e resolvi contar aqui no blog (www.elenarreguy.blogspot.com), com muita emoção e gratidão, como testemunho.

1985 foi o Ano Internacional da Juventude, criado pelo Papa João Paulo II após seu primeiro grande encontro com os jovens em Roma no ano anterior, 84, no seu grande afã de ir ao encontro dos jovens para anunciar-lhes Jesus e desafiá-los à santidade feliz. Uma geração de santos de calça jeans! Que imagem mais fantástica e apropriada.

Naquela época eu morava no Rio de Janeiro com a família – mãe e irmãos pois meu pai havia falecido em 82 – e trabalhava como professora de inglês e de religião para crianças. Frequentava o grupo Bom Pastor, hoje Comunidade Bom Pastor, na paróquia de Nossa Senhora de Copacabana. Esta era a minha vida e eu era completamente engajada na vida da igreja e do grupo de oração. Também namorava o Afonso Marra, pessoa muito especial que também participava do grupo de oração e de todas as atividades evangelizadoras comigo. Éramos muito amigos além de namorados.

Thriller e bom humor

Não sei exatamente em que mês surgiu o convite para que as paróquias e as comunidades brasileiras mandassem os jovens para participar deste encontro mundial em Roma, que contaria com palestras, um encontro com o Santo Padre e uma oportunidade ímpar de ver gente do mundo todo. Seriam cinco dias em setembro, ou uma semana, não tenho mais certeza. Porém, como ir? Mesmo timidamente eu e mais duas pessoas do grupo – Laura Beatriz e Margarida – ou simplesmente Laurinha e Guida,  começamos a nos movimentar e a desejar ir, fazendo contas e planos… parecia impossível. Não havia dinheiro que desse conta nem quem nos ajudasse. Me lembro que rezamos e que a Palavra de Deus nos apontava com clareza que o Senhor abriria as portas.

Mas como Deus parece ser especialista em roteiro de thriller – com todo respeito –  quando tudo parece enrolado e sem saída e a gente só tem mesmo a fé na Sua Palavra, Ele manifesta a Sua Vontade e inebria os corações com Sua fidelidade. Me lembro bem, faltavam somente duas semanas para a viagem quando todas as portas se abriram.

O Fernando (que, da eternidade, deve se lembrar disso com alegria) mais o Hugo, dois grandes irmãos e amigos da Comunidade Bom Pastor, resolveram adotar a nossa causa quando souberam que não havia mais saída e moveram as pessoas do grupo de oração a nos ajudarem já que nós éramos servas e representaríamos todo o grupo Bom Pastor e a juventude católica do Rio de Janeiro. Nosso desejo de participar não era um capricho e nossa ida representava um testemunho da vitalidade da Igreja do Brasil. Estas palavras simples mas cheias de sabedoria atingiram o coração das centenas de pessoas que a cada segunda-feira, há 35 anos, lotam a paróquia e, de doação em doação, a soma foi alcançada. E mais: ainda nos deram um dinheirinho extra para uns presentinhos. Muito lindo é que a Guida conseguiu a doação da passagem pela Alitália e o funcionário que lhe entregou a passagem em nome da empresa aérea era latino americano – argentino? mexicano? – e se chamava Jesus! Nós quase morremos de tanto rir. Assim é Deus, tem alegria e bom humor.

Diversidade

A viagem em si foi inesquecível e não me lembro bem do número, mas éramos aproximadamente 200 jovens. Uma das impressões mais fortes foi a experiência de catolicidade, de universalidade, da Igreja, do povo de Deus, ao ver tantos belos rostos humanos diferentes do meu em cores e jeitos. 

Na missa de encerramento, na hora do Pai-Nosso, me emocionei tremendamente pois à minha frente, me lembro como numa fotografia registrada na memória, estava um africano, atrás de mim um asiático, japonês, à minha direita uma irlandesa ruivíssima e à minha esquerda uma peruana de cabelos negros e jeito indígena. E era o amor de Jesus, o batismo em Sua morte e ressurreição que nos faziam um só corpo e uma só coração. Era Ele a fonte do nosso amor e de nossa unidade na mais bela e desconcertante diversidade.

Encontros marcantes

Uma outra pessoa que foi nos visitar foi o Cardeal Josef Suenens, amigo pessoal do Papa João Paulo II e pessoa chave no Concílio Vaticano e nos primórdios da Renovação Carismática. Um velhinho adorável de olhar sorridente, magro e alto, que passeou no meio dos jovens com a maior simplicidade e nos falou espontaneamente sobre a Igreja e a vida da fé. Não me lembro mais da ordem das palestras, mas me lembro bem do efeito que esse retiro, congresso, encontro, aventura, desafio, um pouco de cada coisa, deixou em mim.

Os fatos se entrelaçam mais pelo efeito causado do que pela cronologia com que aconteceram. Também estava lá o José Prado Flores, um dos primeiros leigos líderes da Renovação Carismática a estudar teologia – mexicano que nos deu o testemunho sobre vocação e estado de vida, de como o Senhor o guiou até o matrimônio certo, impedindo que ele se casasse com a pessoa errada. Causou-nos forte impressão ele contar sobre a simplicidade de seu casamento e por ter preferido à festa com muito glamour, ir à Caná em Israel e casar-se na presença dos pais dele e da noiva mais o sacerdote, como testemunhas.

Lembro-me do rosto de alguns outros brasileiros que compunham a comitiva mas não me lembro dos nomes. Era gente de Foz do Iguaçu. Tinha gente de São Paulo também. Havia um padre de Campinas. Não posso deixar de contar que no avião, sentado exatamente atrás de mim, estava o primeiro shalomita que conheci: um jovem bem magro e tímido representando os jovens católicos cearenses e a Comunidade Shalom ainda embrionária. Não era o Moysés. Era o Carmadélio, que saía do Brasil pela primeira vez e se encantava com tudo que via. Me lembro demais desse nosso primeiro contato.

Medjugorje

Esse grupo de brasileiros resolveu juntar os trocados, alugar um ônibus e ir à Medjugorje quando acabasse o Congresso. Para tal façanha o primeiro passo era guardar todos os pães italianos e frutas – peras e maçãs – que nos serviam no café da manhã para servir de jantar e termos que pagar somente uma refeição por dia.

E assim fizemos. Alugamos um ônibus e fomos de Roma até Pescara onde pegamos um navio destes enormes que transporta automóveis e ônibus, atravessamos o mar Adriático em plena tempestade a noite inteira – pense numa aventura! – e chegamos à antiga Iugoslávia. Passamos dois dias inteiros em Medjugorje e fomos a primeira peregrinação de brasileiros a esta vila visitada por Nossa Senhora.

(Elena faz um belo relato de sua visita a Medjugorje, que, por razões de espaço, achamos melhor resumir. Para ler o texto completo, clique aqui.)

De volta a Roma

Em Roma as noites eram livres, com temas culturais e os jovens de cada continente faziam uma apresentação artística. Não precisa nem dizer que os brasileiros deram show e fizemos todo mundo dançar, cantar, louvar, sair do lugar… Foi neste Congresso que pela primeira vez ouvi os mexicanos cantarem a música ‘Los Animalitos’ que fala da Arca de Noé que anos depois o Pe. Marcelo Rossi ia traduzir e fazer o Brasil inteiro cantar.

Em Assis

Uma das primeiras atividades culturais que tivemos, todos os jovens do Congresso, foi visitar Assis que era ainda bem simples sem tantos aparatos turísticos que passou a ter depois da década de 90. A turma de brasileiros conseguiu, sem saber direito como, celebrar uma missa em português na tumba de S.Francisco. O fato de ver seus amigos e primeiros discípulos enterrados todos juntos, ao seu redor, bem próximos, me deu forte experiência de amor fraterno, do chamado ao amor fraterno sincero.

Para mim, além da Porciúncula, da beleza da cidade, da vista, e do sobressalto tememdo dar de cara com Francisco quando virasse a esquina daquelas ruas de pedra medievais, o convento de Clara e rezar diante do Crucifixo que falou com Francisco me marcaram a alma. Na época eu havia aprendido uma versão em inglês de uma célebre oração do “Poverello” e quando me ajoelhei diante do Crucifixo, baixei os olhos e achei a oração escrita em todas as línguas para que os peregrinos rezassem. Nem precisa dizer que eu chorei para me acabar e cantei baixinho a música que até hoje sei de cor que diz assim:

Most High and glorious God, bring light to the darkness of my heart,
give me right faith, certain hope and perfect charity,
oh Lord give insight and wisdom
so I might always discern your holy and true will

Que quer dizer:

Altíssimo e Glorioso Deus, iluminai as trevas do meu coração
Dai-me fé reta, esperança certa e caridade perfeita,
senso e conhecimento, Senhor,
para que eu possa sempre discernir e fazer Sua santa vontade

O encontro com o Papa

 E o encontro com o Papa João Paulo II? Aconteceu ou não? Logo no segundo dia recebemos a triste notícia de que ele não poderia mais nos encontrar por causa de um sério problema no sul da Itália – creio que na Sicília, por conta da Máfia, que estava no auge daquela operação conhecida como Mãos Limpas – que o obrigaria a viajar. Todo mundo murchou. No dia seguinte, porém, mais um recado: no último dia do congresso o Santo Padre nos receberia em sua capela privada, dentro do Vaticano, para a missa das 6 horas da manhã.

Quase ninguém dormiu de tanta ansiedade. Quem tinha roupa típica foi à caráter, quem não tinha, vestiu-se o melhor que pôde. Passamos por segurança e revista rigorosa, um a um, e nos sentamos numa capela linda, em silêncio, com muita reverência pelo inusitado e pelo privilégio do convite. Quase que se ouvia os corações baterem de emoção e de ansiedade para ver o santo Padre de pertinho.

Ele entrou pelo lado e celebrou a eucaristia com a maior serenidade e concentração. Profunda interiorização. Não sei dizer se havia outros padres co-celebrando pois nossa atenção era toda em João Paulo II. Sei, porém, que dois jovens seminaristas de SP, que trabalhavam com o ‘Fradão’ na recuperação de adictos de drogas, foram escolhidos para servir o altar. Eles quase enfartaram de tanta alegria. Fico me perguntando onde eles estarão hoje em dia… Um se chamava irmão Wagner.

No fim da missa, para a nossa surpresa e delírio, João Paulo II se levantou e antes de sair resolveu nos dirigir umas palavrinhas espontaneamente, em italiano. Foi bem curtinho, mas jamais vou me esquecer de duas coisas: primeiro, que ele nos disse que rezava diariamente pelos jovens do mundo todo pois sabia que nos jovens estava a esperança e o futuro da Igreja, que nós então tivéssemos certeza de que estávamos presentes em sua oração e em seu coração. Se era assim quando ele estava no mundo, deve continuar do mesmo jeito no Céu!

E, em segundo lugar, o Santo Padre nos fazia um convite pessoal: se queríamos nos comprometer com ele na evangelização do mundo. Foi uníssona e audível a resposta – a essa altura já não havia mais tanto silêncio – e todos nós levantamos a mão. Foi então que alguns assessores nos distribuíram um presente pessoal do Papa: uma cruz de metal, prateada, cópia do seu báculo, que mostra Jesus como uma seta apontando para ser lançado ao mundo, que nós erguemos segurando-a firmemente na mão, selando nosso compromisso com a evangelização do mundo!

Testemunho

Enquanto escrevo isso, sinto forte emoção e gratidão, pois esta cruz me acompanha todos estes anos. Enquanto escrevo, tenho-a diante dos olhos. Como me arrependo pelo tempo da minha vida em que eu esqueci do meu compromisso ou deixei-o em segundo plano e como amo a Deus por Ele jamais ter me ‘demitido’ da missão! Este Ano Internacional da Juventude aconteceu há 25 anos atrás, bodas de prata portanto, e se eu pouquíssimo ou nada fiz até agora, diferentemente de outros jovens, agora adultos que têm dado sua vida na Igreja e para a Igreja, peço ao Senhor que as bodas de ouro sejam comemoradas com as mãos menos vazias…

Também preciso testemunhar que, ao ouvir a longa e muito boa entrevista dada pelo Moysés, Fundador da Comunidade Shalom ao Professor Felipe Aquino na TV Canção Nova no princípio de abril deste ano, me ocorreu uma pergunta importante: se eu saberia dizer quando o carisma shalom me havia sido comunicado por graça do Espírito Santo. Fiquei seriamente em dúvida já que minha história de salvação e de missão é marcada por várias etapas, mas vejo que Deus veio em meu auxílio e ao me levar a fazer memória das Jornadas Mundiais da Juventude e ao me lembrar deste encontro e desta missa com o santo Padre, Beato João Paulo II, eu constatei e entendi que foi em Roma, em setembro de 85 que a semente do carisma foi plantada em meu espírito e de lá nunca foi arrancada porque os chamados do Senhor são irrevogáveis, porque Ele é fiel e jamais volta atrás em suas eleições.

Se eu vou a JMJ em Madri em 2011 comemorar as Bodas de Prata e testemunhar o ardor e o amor pela evangelização? Seria bom demais, mais ainda se o Carmadélio também fosse, ambos agora de cabeça branca e o coração mais jovem do que nunca, sempre de jeans… Mas fora a brincadeira, seria um sonho mas estou na mesma situação de anos atrás, quando tudo começou, precisando de um milagre. O que importa é a vontade de Deus e Ele querendo tudo pode acontecer.

Que o Beato e amado Papa João Paulo II interceda nesta intenção e por estes quarentões e cinquentões que o conheceram e se comprometeram com a evangelização do mundo na JMJ. Que ele nos ajude a cumprir até o fim aquilo que prometemos. Que ele também interceda por todos os jovens que estão se preparando para ir à Espanha sem medir esforços. Que a presença de todos os que forem seja um grito forte de amor que acorde o mundo para a realidade e presença de Jesus Cristo! Amém! Shalom! Beato João Paulo II, rogai por nós!

Por Elena Arreguy Sala

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