Coragem não é para todos, mas poderia…

Coragem não é para todos, mas poderia…

A Coragem estava fugindo, perseguida pelo Medo. Buscou refúgio para passar a noite. Bateu à porta da Covardia, porém ela não a abriu, com a desculpa de que não a conhecia. Bateu à porta da Mentira, mas esta mandou dizer que não estava em casa e não a abriu. Enfim, bateu à porta da Preguiça. Ela também não a abriu, porque, respondeu, já estava deitada. Então a Coragem tomou coragem, mesmo, e foi bater à porta da Vontade. Esta abriu-lhe a porta e a convidou a entrar. De manhã cedo, quando a Coragem e a Vontade saíram juntas, o Medo, vendo as duas unidas, desapareceu.

Esta parábola nos ajuda a perceber como podem funcionar as nossas decisões quando são tomadas numa situação de medo, de incerteza e de dúvida. Lembramos, também, que muitas vezes o medo é enganador e se disfarça de prudência, de bom senso, de espera. São muitas as desculpas que inventamos para não admitir a nós mesmos que estamos com medo. É compreensível. Certas decisões são proteladas e nunca chegamos a uma conclusão. Outras devem ser mais estudadas, pensadas, e assim por diante.

Coragem não é para todos, mas poderia sê-lo quando se junta com a determinação, o empenho e a boa vontade de conseguir o que queremos. Penso, neste momento, em tantas pessoas que se esforçam para melhorar as condições de vida das suas famílias, tantos pais que lutam para dar uma casa e melhores condições de vida aos seus filhos, tantos jovens que pagam, com o seu próprio trabalho, os seus estudos e conseguem alcançar uma formatura. Tudo isso pode ser motivado também pela ambição, sem dúvida, mas reconheçamos que admiramos as pessoas que perseveram com coragem, paciência e confiança, até alcançar os seus objetivos.

Mais coragem, ainda, precisamos quando o objetivo não é totalmente nosso e, talvez, nós, no final, não tenhamos nenhuma vantagem ou até prejuízo cumprindo aquele gesto ou aquela ação. Quero falar daquelas pessoas que assumem corajosamente os sofrimentos dos outros, lutam para o bem dos irmãos, às vezes conhecidos, às vezes não. Por isso, admiramos, mais ainda, aqueles e aquelas que se esforçam, e, às vezes, se sacrificam mesmo, para salvar a vida de outros. Diante de tanta coragem, sentimo-nos orgulhosos por fazer parte desta humanidade, hora cruel, insensível e egoísta, mas, em outra hora, destemida, altruísta, capaz ainda de gestos heróicos.

Jesus também nos quer corajosos. Não porque conseguimos caminhar por cima das águas ou fazemos algo de maravilhoso e inesperado, mas simplesmente porque o que parece impossível, confiando nEle, acontece, e podemos vencer os medos da nossa condição humana. Ter medo, não é vergonhoso em si, é simplesmente humano. Tudo o que não conhecemos, o imprevisível, ou o que, imaginamos, nos trará sofrimento, críticas ou dificuldades, nos dá medo.

O que não podemos ter é medo de Deus ou ter medo de segurar na mão dEle e nos deixar guiar por novos caminhos. A fé começa a vencer o medo, quando temos a humildade e, ao mesmo tempo, a força de pedir como Pedro: “Senhor, salva-me!”. A fé nos pede para arriscar na palavra de outros, confiando no testemunho, na perseverança e coragem deles. É a fé da Igreja, da comunidade que segue Jesus. Não estamos sozinhos nesta caminhada.

No entanto, nada e ninguém pode substituir a nossa decisão de crer e de deixar as seguranças do comodismo – o barco, na página do Evangelho – para confiar mais e pessoalmente no Senhor Jesus. Com efeito, a fé tem sempre algo de novo para cada um de nós. Algo que pede coragem, mesmo. Pode ser uma resposta vocacional mais radical, a saída de uma situação errada, a disposição de assumir, também, novas responsabilidades na família, na sociedade, na Igreja.

A fé verdadeira nos incomoda, deixa-nos inquietos até tomarmos uma decisão mais firme e corajosa. Decisão que, com certeza, é sempre também um dom do próprio Jesus que não nos quer discípulos covardes e acomodados, mas cristãos corajosos, capazes de abrir novos caminhos. Essa é a Igreja missionária, tão sonhada pelo Papa Francisco, uma Igreja “em saída”, ferida e enlameada, mas viva. Sem medo de evangelizar.

Escrito por
Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá.

 

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